Hoje a Segurança Pública se reveste de uma prioridade absoluta para o
cidadão brasileiro, sobretudo nas grandes cidades. Porém tal ramo da
segurança ainda continua sofrendo por força de limitações de caráter legal,
da excessiva ingerência política em questões de caráter basicamente
técnico, pouca integração entre os organismos com atribuições no âmbito
da segurança, das deficiências do treinamento policial (às vezes da sua própria
formação básica), da corrupção no meio policial, da incompreensão e falta de
colaboração da sociedade, da passividade da sociedade para com
o consumo de drogas...
Quem quer que assuma para si (e perante a sociedade) a idéia de
gerir a atividade de segurança pública, em quaisquer de suas esferas,
deve saber que está diante de um “osso duro de roer”. Há de se
conciliar a atividade preventiva e repressiva de polícia com o
enfoque de respeito a cidadania e a garantia dos direitos humanos;
algo extremamente difícil numa sociedade em cujos diferentes estratos
as leis não são respeitadas, onde há cônica falta de investimentos em
educação, saúde, habitação, falta emprego e as desigualdades sociais
concorrem para garantir um contínuo e abundante fluxo de mão de
obra para o crime. Discordo daqueles que justificam a má que
pudessem dar suporte a tal tarefa. Desde a década de 60 que nossos
agentes da lei vêm cursando no exterior, missões de cooperação de
corporações estrangeiras vêm ao Brasil (vide a ação da USAID
no início dos anos 60) e juntamente com bons policiais brasileiros
amealharam experiências que não são buscadas como suporte por
quem quer que seja. Ressalte-se, que nos idos dos anos 50 e 60
a inteligência –hoje decantada como um recurso “de ponta” para o
trabalho de segurança pública – era um recurso de emprego
muitíssimo mais usual (até intuitivo) do que se possa imaginar hoje.
Não havia tanta tecnologia, o “background” sócio-cultural
dos efetivos da polícia era sensivelmente menor, mas a polícia
funcionava e a sensação de segurança no seio da população era
inegavelmente muito maior. Tal fato certamente concorreu para
a estatística de solução de homicídios pela polícia, que, na época
chegava aos hoje impensáveis 50% dos casos.
Um grande óbice para a gestão da Segurança Pública de uma maneira
geral, é que os profissionais e aqueles que por quaisquer motivos são
alçados à condição de seus gestores, parecem prescindir das
experiências daqueles que os precederam. A tarefa de gerir as
complexas questões da segurança pública no Brasil já seria por
si só monumental, sem que necessitássemos dificultá-la ainda mais
“reinventando a roda”. Como iniciar um processo sem conhecer em
profundidade os antecedentes históricos, sobretudo os fatos sob
a ótica dos profissionais da respectiva época, com suas técnicas,
táticas e recursos? Todo trabalho sério deve estar fundamentado
em estudos acadêmicos, pressupostos de cunho sociológicos,
psicológicos, comportamentais...; mas também não poderia deixar
de levar em consideração os estudos desenvolvidos anteriormente,
bem como um extenso levantamento dos fatos, das experiências e
impressões dos profissionais que os antecederam, as “fontes
primárias”. Os Gestores não deveriam deixar-se levar pelos
preconceitos acadêmicos e reconhecer que, mesmo sob
depoimentos pobres ou pouco elaborados, pontilhados de senso
comum, poderão estar entremeadas lições imprescindíveis para
a realização da atividade de segurança. A principal questão talvez seja
a de conciliar todo um rol de novas acepções aos velhos princípios.
Em se tratando de Segurança, aprender com os próprios erros tende
a custar muito caro, quer para quem o faça, quer para aqueles a
quem ele se empenhe em proteger.
Ser capaz de ouvir e assimilar a experiência dos que nos
antecederam pressupõe admitir que outros detém conhecimentos
úteis, os quais nos faltam; esta é a premissa básica na integração dos
processos de treinamento.
Nas palavras de um velho conhecido e policial carioca, “segurança é
uma escola na qual ninguém tira diploma”, sempre existindo
conhecimento que valha à pena adquirir. Infelizmente, no ramo da
segurança pública, é comum encontrarmos profissionais, há muito
em atividade, alguns com conceituados cursos de especialização feitos
no país e no exterior, os quais imaginam que o treinamento conjunto
ou a simples troca de experiências com outros profissionais em nada
lhes acresceria. Nada mais falso, independentemente da formação que
detenha o agente, sempre haverá o que aprender ou aperfeiçoar
e a busca de tal excelência profissional – real objetivo de todo o
profissional de segurança – apenas será alcançada mediante a
um treinamento continuado. Valorizar o treinamento constante, bem
como instituir toda uma política de intercâmbio com outras instituições
é um passo importante na boa gestão de recursos.
No Brasil é extraordinariamente comum encontrarmos programas de
investimentos desenvolvidos em áreas eminentemente técnicas, que
foram elaborados sem o concurso dos profissionais da área. Por mais
que defendamos a idéia de uma abordagem sempre plural e da
apreciação multidisciplinar de cada assunto, não se compreende que
decisões possam ser tomadas à revelia de quem de fato milita na área,
de quem tem muita vivência no assunto e conhece-o em profundidade.
As credenciais acadêmicas de um intelectual ou pesquisador não
necessariamente o qualificam como especialista em assuntos aos
quais técnicos, às vezes de currículo mais modesto, bem dominam
por dedicarem a eles sua vida toda.
Em nosso país, certas questões que deveriam ser consideradas “Questões
de Estado” acabam por assumir as feições de simples “Questão de
Governo”. Nomeações de caráter puramente político são posturas
normais, sem que nos perguntemos como aquela que será autoridade
máxima num órgão ou num programa possa assumi-lo sem profundo
e real conhecimento de causa. Na Segurança Pública podemos
apontar inúmeros exemplos de programas desenvolvidos por
profissionais de áreas diversas, os quais se arrogavam “especialistas
em Segurança Pública”, cuja aplicação, na prática acaba por apresentar
problemas estruturais que um técnico realmente experimentado da área
teria detectado antes, sem dificuldades. No caso específico das ações
do âmbito da Segurança Pública sabemos que componentes da
sociedade civil como juristas, cientistas sociais, historiadores,
administradores, militares e até civis estudiosos do tema, podem
muito acrescentar aos técnicos das diversas policiais; porém o
que não se concebe é alijar os técnicos da área de um processo no
qual eles terão decisivamente de atuar, pondo em risco tanto suas
reputações como também as suas próprias vidas.
Um dos fatores concorrentes para a má gestão e de ocorrência mais
comum no Brasil é o de se privilegiar os cursos de investimento que
gerem para seus proponentes a melhor publicidade. Uma política de
segurança não drogas, preso no estrangeiro é um troféu, que
vale à pena ser pessoalmente escoltado do exterior pra cá, noutro
dia é um problema que se tenta devolver à Brasília ou passar a
alguma uma outra unidade da federação. Enquanto que
normalmente orientado pelo melhor interesse público buscar-se-ia
o investimento que gerasse o melhor resultado, a idéia de despontar
na mídia acaba priorizando a ação de maior visibilidade, normalmente
um investimento de curto prazo, em detrimento daqueles cujos
resultados tendem a demorar a aparecer. É fato também que
muitos dos números citados, sobretudo no que tange aos montantes
investidos, na realidade são valores parcelados em diversos exercícios
e que só serão atingidos ao final de um período de anos. Quem
ouve um discurso ou lê a declaração da autoridade gestora fica com
a errada impressão de que tais valores expressivos estariam
disponibilizados de imediato, o que quase nunca é verdade. Na
grande maioria das vezes o importante é levar o cidadão a crer que
algo esteja sendo feito em seu proveito; muito mais até do que o estar
realizando realmente.
Quando se fala em integração, a muitos vem à mente a idéia de
unificação policial e tal proposta tem a propriedade de agradar a
qualquer grupo policial desde que seja a ele quem caiba comandar
os demais. A idéia de integração que defendo consiste em entrosar
cada vez mais os integrantes, não só das Polícias Civil e Militar,
como também todas as demais instituições citadas no Art.º 144 da
Constituição Federal, a quem compete atuar no âmbito da
Segurança Pública. O Gestor dos recursos deve procurar
desenvolver formas de aproximar os profissionais, fazendo-os
perceber que eles não concorrem entre si, porém que seus
melhores esforços se inserem num contexto maior que é o de
proporcionar à sociedade a segurança da qual ela necessita. Os
profissionais não necessitam ser amigos para trabalharem bem
conjuntamente, porém, se algum vínculo de amizade,
companheirismo, admiração mútua ou espírito de corpo puder
se desenvolver para irmaná-los, quanto melhor será. Desenvolver
treinamentos e missões conjuntas, promover seminários, grupos
de estudo, implantação e manutenção de sistemas de inteligência
(coleta e análise) e investigações (já existente em alguns estados
da federação), bem como a unificação de cadeias logísticas, são
medidas que certamente darão excepcional resultado em médio prazo.
Acreditamos competir ao Gestor no âmbito da Segurança Pública a
tarefa de trazer o cidadão para o lado da lei.
Todos temos a idéia de que, na prática o “Brasil real” se sobrepõe
ao “Brasil legal”, porém autoridades de tem de vir a publico
resgatar a credibilidade do ordenamento legal e das forças de
segurança. O Gestor deve ser capaz de esclarecer à população
acerca de toda uma série de variáveis da questão da segurança
pública, traduzindo à opinião pública que a verdadeira guerra que
hoje travamos não pode ser vencida sem o maciço engajamento da
população. O Gestor precisa pensar no que vai falar, para não
comprometer sua credibilidade e a dasinstituições que
representa numa sucessão de pronunciamentos e eventos de cunho
jornalístico que podem até soar bem aos ouvidos da opinião pública
leiga, mas que, no fundo, por si só não permitem atingir aos
objetivos que se quer alcançar. Deverá corajosamente assumir que não
há soluções imediatistas ou miraculosas e que a aquisição e
emprego deste ou daquele equipamento, dos helicópteros, do
dirigível, do fuzil novíssimo, das viaturas de novo modelo, do
carro blindado, não darão o resultado esperado sem a
colaboração da sociedade.
Faltam-nos Gestores de Segurança que tenham a coragem de
afirmar que, a solução dos problemas de segurança hoje tão
caros ao país, não se darão num curto prazo e por meio de soluções
simples ou mágicas.
Em benefício de sua imagem pública e da instituição do estado
brasileiro, o Gestor há de francamente admitir que o combate a uma
criminalidade que se permitiu chegar ao ponto em que chegou –
com a ousadia e os todos recursos bélicos disponíveis – vai,
infelizmente acarretar baixas civis, cerceamento de liberdades e
contrariedades inerentes ao estado de enfrentamento dessa autêntica
guerrilha urbana; que só se confronta o eficazmente o crime através
da combinação de ações de inteligência combinada, do firme
emprego de força letal e do comprometimento da população.
A sociedade brasileira precisará decididamente assumir uma
postura de não-cumplicidade para com as práticas que historicamente
vem robustecendo o crime. Precisamos ter coragem e fazer uma
auto-crítica para percebermos o quanto que a nossa tolerância
para com o consumo de drogas (sobretudo o consumo “recreativo”,
em festas, shows e eventos), para com o jogo do bicho, para com
os caça-níqueis, para com a comercialização de produtos de
procedência ilícita, para com os “pitt-boys” e outros delinqüentes
da classe média... acabam influenciando o nível de violência e
criminalidade. Não é só com polícia na rua que se poderá mudar
o quadro negro que se configura. Hoje, bem remunerados
intelectuais, de apreciável currículo acadêmico, com boa aparência,
jeito simpático e despojado, com fala mansa e discurso modelado
por anos de militância no movimento estudantil, vêm de público
apresentar discutíveis estatísticas e priorizar o recolhimento
das armas do cidadão em pronunciamentos que, infelizmente, na
maioria das vezes não permitem réplicas. Na mídia ou em
conferências públicas dizem o que querem dizer e o cidadão
desavisado, o qual não tem argumentos contestatórios, acaba por
acreditar que todo aquele que defende o direito à posse e ao
porte de armas é um belicoso desequilibrado, do tipo que promove
tiroteios em locais públicos por quaisquer motivos. Estamos gastando
dinheiro público para retirar das ruas as armas mais fáceis de serem
acessadas, porém em nenhum momento se fala dura e explicitamente
em penalizar aqueles que permitem aos bandidos passarem ao
largo dessas restrições. Na Segurança Pública acabamos por viver
uma crise que também é de foco; e só a sociedade poderá
ajudar a que saiamos dela!
Finalizando, deixo à reflexão dos leitores as palavras do sociólogo
norte-americano John Schaar : “ O futuro não é um lugar para
onde estamos indo, mas o lugar que estamos criando. O caminho
construído e o ato de fazê-lo, muda tanto o realizador quanto o destino